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REWILDING AVEIRO
2020-12-20

Opinião

REWILDING AVEIRO

O município de Aveiro possui um potencial natural enorme: do mar à Ria; desde o Vouga até à maior lagoa da Península Ibérica. Temos uma Reserva de São Jacinto com grande importância para a preservação das espécies dunares e áreas da Rede Natura 2000 fundamentais para a conservação da avifauna. Os passadiços de Esgueira mostram-nos um pouco da beleza da região, partindo das marinhas junto ao CMIA e percorrendo os sapais, juncais e caniçais da Ria até chegar à foz de um dos maiores rios inteiramente portugueses. Aqui, onde a água doce se mistura com a salgada, é possível vislumbrar na outra margem os esteiros, arrozais e pastagens, onde se iniciam os percursos da BioRia e a incrível paisagem do “Bocage”. A vida selvagem destas zonas húmidas está bem representada no livro “Aveiro Natural” do fotógrafo João Nunes da Silva e no recente documentário “Encontro d’Águas” do realizador Daniel Pinheiro, constituindo estes verdadeiros hinos à biodiversidade da região.

Contudo, é preciso fazer mais para proteger o património natural do concelho. Vivemos num contexto global de colapso ecológico, liderado pela urgência das alterações climáticas, mas repleto de outros desafios como a “Sexta Extinção” em curso, tão bem retratada no livro de Elizabeth Kolbert que nos alerta para uma taxa de extinção atual centenas a milhares de vezes superior à taxa de extinção de fundo. Significa isto que o ritmo a que inúmeras espécies de animais e plantas estão a desaparecer no nosso planeta é bastante maior do que num cenário normal fora dos 5 períodos de extinção anteriores. A nova atualização da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) mostra que Portugal tem praticamente 500 espécies de animais e plantas ameaçadas ou em risco de extinção. Somos o segundo país da Europa com mais espécies de mamíferos (15) e plantas (144) em perigo, estando em terceiro lugar no que diz respeito ao número de peixes (78) e répteis (5).

A juntar aos desafios globais, há também ameaças locais, de onde se salientam a propagação de espécies invasoras, a degradação das galerias ripícolas e das zonas lagunares, bem como as extensas monoculturas de carácter industrial. Tal como propôs Edward O. Wilson no seu “Half Earth”, é necessário dedicar mais espaço à natureza, criando áreas de conservação em que o impacto humano seja diminuto e onde a vida selvagem possa recuperar todo o seu esplendor. O conceito de Rewilding, introduzido nos anos 90, assenta também neste princípio de que é essencial devolver espaço para a restauração de ecossistemas, através de um adequado planeamento do território que permita a proteção, expansão e até reintrodução/reaparecimento de espécies características dos habitats em questão. Desta forma, é possível contribuir para a recuperação dos processos naturais que permitem (a médio-longo prazo) regular e sustentar os ecossistemas sem grande necessidade de intervenção humana.

Posto isto, consideramos fundamental aumentar as zonas de proteção ambiental no município, propondo o PAN a criação do Parque Natural do Baixo Vouga Lagunar, cujos limites se extendam desde a Pateira de Requeixo e do Carregal até ao Rio Novo do Príncipe em Cacia. O restauro fluvial do rio Vouga é crucial para a protecção das linhas de água junto à sua foz, dos campos agrícolas e dos aglomerados urbanos sujeitos às cheias, cada vez mais frequentes em virtude das alterações climáticas globais. Para isso, é necessária uma acção contínua no tempo, que inclua a substituição de muitas das espécies invasoras presentes na zona, como as acácias, ervas-das-pampas ou os jacintos-de-água, por outras - autóctones - como os amieiros, salgueiros ou tamargueiras. A longo prazo, também a fauna da região irá recuperar com este restauro ecológico, tendo por exemplo a lontra melhores condições para alargar o seu território, ou o próprio castor-europeu (extinto em Portugal, mas em contínua expansão pela Europa) com possibilidades de regressar.

Já existe um Parque Natural Local em Portugal, foi criado pelo Município de Vouzela em 2015 com o objetivo de proteger e valorizar o património natural e paisagístico, a sua biodiversidade e o desenvolvimento sustentável. Abrange uma área de quase 12 mil hectares entre a Serra do Caramulo e o Rio Vouga. Aveiro podia seguir-lhe os passos, envolvendo os proprietários com terrenos na área e imediações, as associações ambientais locais, os estabelecimentos de ensino e os demais cidadãos. A Universidade de Aveiro, com o todo o conhecimento que lá existe nos domínios da Biologia, Turismo e do Planeamento do Território, seria um parceiro fundamental na construção deste projecto. A própria Universidade é já parceira da organização Rewilding Portugal, contando com uma Unidade de Vida Selvagem no Departamento de Biologia que desenvolve investigação nos campos da ecologia animal e monitorização de áreas naturais.

A elaboração de programas que integrassem as escolas e as associações constituiria também um contributo fantástico para a educação ambiental no município. 

Nada melhor do que envolver as pessoas, e em especial as crianças, na gestão concreta dos problemas ambientais existentes no nosso concelho. Por fim, convém ainda salientar o potencial que esta área protegida teria para a promoção do turismo sustentável na região, diversificando as atividades com ele relacionadas, como o birdwatching, os percursos pedestres, as rotas de BTT e até mesmo ações como o voluntariado corporativo, muitas vezes inseridas em programas de team building das empresas.

Estaríamos assim verdadeiramente inseridos na Estratégia para a Biodiversidade 2030 da União Europeia, protegendo os nossos recursos naturais e dando a conhecer ao mundo os valores ambientais da região.

Está na hora de trazer de volta a vida selvagem a Aveiro e aproveitar esta magnífica oportunidade para celebrar a riqueza da biodiversidade. Boas festas para todos!

20 de dezembro de 2020

João Almeida

Comissão Política Concelhia do PAN - Pessoas - Animais - Natureza de Aveiro 

Notícia disponível em http://www.oln.pt