UMA PEQUENA HISTÓRIA
(pela Prof. Cristina Marques)
Já não aguento!
Ontem. Hoje. Sempre. Sempre, sempre o mesmo ambiente… Já não aguento! O pensamento de Amélia refugiava-se naquela ideia fixa que, diariamente, tomava uma forma cada vez mais definitiva.
O dia amanhecera claro e primaveril, mas do quarto dos pais chegava até si a melopeia do costume:
- Pensas que não vi as horas a que chegaste?! Lembra-te, ao menos, que tens uma filha para criar… porque eu, eu já não conto para ti! - Estive a trabalhar até tarde, horas extraordinárias! … - Horas extraordinárias, sim … no jogo… a gastar o ordenado! Não acreditas, mas, um dia, chegas aqui e não encontras ninguém! Tenho muita gente que me dá um tecto, a mim e à tua filha!
Amélia tapou os ouvidos e, desesperada, arrancou algumas roupas das gavetas, enfiou-as na mochila e saiu de casa, batendo a porta ruidosamente! Os horários a cumprir e as alterações emotivas empurraram os pais, cada um para o seu emprego, com a certeza de que, mais uma vez, a filha tinha seguido o caminho da escola. O fim do dia, porém, trazia o desassossego da mudança da rotina. Às oito horas, a mesa não estava posta, a cozinha não tinha visto a Amélia de volta dos tachos e nenhum móvel marcava a sua passagem: nem a mochila em cima da cama, nem a chave na estante da entrada, nem os sapatos deixados no corredor!...
- Amélia! Melinha! – chamou a mãe.
O silêncio deu-lhe uma resposta que a angustiou! - Amélia! – pronunciou a mãe num grito desesperante. - Senhor Agente, não, não atendeu o telemóvel e, agora, está desligado! Devia ter chegado a casa às cinco horas… a última vez que estive com ela?
O choro convulsivo arrancou-lhe a constatação de que, naquela manhã, por causa da discussão, nem vira a filha! - Não, as colegas não a viram hoje. Ela não foi às aulas. Não estranharam, porque a Amélia, ontem queixara-se que lhe doía a garganta e pensaram que ficara de cama … mas, a mim, a minha filha nem me disse isso … ontem passei o jantar zangada, a contar as horas de atraso do… Não, não está com o pai, ele também não a viu nem hoje, nem ontem … Sr. Agente, por favor, ajude-me a encontrar a minha filha…
A ansiedade e a preocupação viveram nos dois longos dias que se seguiram ao desaparecimento de Amélia. Os colegas contavam pormenores criados a partir de deduções das palavras ou do comportamento da jovem e penalizavam-se por não terem conseguido ver o que consideravam indícios.
Os pais culpabilizavam-se, porque tinham estado muito ocupados a apurar os requintes das suas discussões. Os professores lamentavam não ter interpretado nenhum sinal de pedido de ajuda na aluna que se “perdia” na turma tão extensa. Apenas a PSP seguiu um trabalho de pesquisa que resultaria em sucesso. A Amélia seria encontrada num refúgio que, não fosse a aflição e perturbação em que se encontravam os pais, seria lógica: a casa da avó que falecera havia dois anos. Este tinha sido sempre o local de “fuga” da Melinha, quando as coisas se complicavam lá em casa ou quando queria sentir afecto.
A casa estava fechada desde a morte da avó e aguardava um processo complexo de partilhas. A jovem guardara sempre a chave que lhe permitia entrar, quando quisesse, na casa da avó, apenas gritando à entrada, “Vózinha, sou eu, a Melinha!”. A avó, sorrindo, acrescentava sempre “Ainda hás-de ser poeta, a fazer estas rimas!”. Havia dias em que combinavam falar só com diminutivos, para dar voz a rimas fáceis!
Em casa da avó, a Amélia, após a decisão de fugir de casa, não encontrou o aconchego de um lar; apenas se confrontou com a dolorosa realidade do falecimento da velhinha. Aí permaneceu, no entanto, até que dois agentes da PSP bateram à porta e a trouxeram de novo à realidade.
O abraço dos pais reconfortou a Amélia. Observa-os, enquanto falavam com os agentes da PSP. Quase se sentiu feliz por vê-los juntos, sem discussões, mas o olhar de angústia da mãe e a pergunta do pai, após ouvir a Comissão de Protecção de C |